sexta-feira, 27 de junho de 2014

Filho das Profundezas [Semana 14]

Autor: Marco Fischer
Parte XIV - Clarão

Faulkner tentou limpar o sangue da lente de seu olho-luneta, mas tudo que conseguiu foi deixá-la embaçada. Com seu olho bom prejudicado pela laceração em seu rosto, essa era toda a visão que tinha agora. Tudo que conseguia enxergar eram as lâmpadas no convés e a luminosidade azul-elétrica daquelas bestas que se aglomeravam na proa, depois de terem atacado seu navio de surpresa.

Um súbito clarão ofuscou a lente enquanto um som explosivo quase estourou seus tímpanos. Os tripulantes sobreviventes no castelo de popa disparavam mais uma vez contra as criaturas que tentavam avançar, e misturado ao cheiro da pólvora vinha o fedor pegajoso de peixe velho e algas podres. Faulkner nunca havia se deparado com seres tão agressivos e estranhos.

Agora que a ferida em sua face começava a parar de sangrar, ele conseguia enxergar melhor a situação. Os monstros já ocupavam toda a parte central do navio, roçando uns contra os outros enquanto devoravam os marinheiros caídos com suas cabeçorras de peixe. Os olhos eram cinzentos e vazios, e as escamas negras como a noite que os cobria, com exceção dos pontos em que a intensa bioluminescência azul reluzia o couro oleoso e pulsante.

Enfraquecido pela perda de sangue, o capitão dos Arautos do Vapor tremia para se manter de pé e sequer conseguia empunhar o próprio rifle, que estava caído ao seu lado. Havia algo naquelas coisas que inquietava seu espírito além da matança que causavam. Pareciam ter saído de um pesadelo, mas ao mesmo tempo em que provocavam horror havia uma estranha familiaridade que impedia que mantivesse o olhar por muito tempo.

Mesmo para um homem racional como Faulkner, ver aquelas criaturas lutando contra sua tripulação era algo que trazia as mais terríveis suposições. Seu conhecimento científico, na verdade, parecia estar lhe pregando uma peça, atribuindo características humanas àqueles seres marinhos. Eles não eram simplesmente bípedes e desajeitados como outros monstros que habitavam o oceano. Para a mente do capitão, a fluidez com que se moviam na superfície só podia ser fruto de algum tipo de cruzamento com a raça humana.

Paralisado de fraqueza e terror, o capitão teria ficado ali diante de sua cabine até o inevitável fim se não fosse despertado por George, o mecânico moreno e gordinho que surgia sujo de fuligem da sala de máquinas e agarrava seu braço enquanto falava apressado.

-Capitão, a gente trancou as saídas de vapor da caldeira e colocamos pra funcionar no máximo. Vamos estourar o navio junto com essas coisas, então é melhor correr pra água!

Antes que tivesse tempo de responder, Faulkner já estava sendo praticamente jogado em um dos botes do navio, enquanto os sobreviventes escorregavam pelas cordas e correntes a seu encontro. A explosão veio antes de o bote chegar à água, mandando várias das criaturas pelos ares, enquanto as restantes fugiam para as profundezas.

-O que eram essas coisas? – perguntou George, o rosto iluminado pelas chamas.

-Infelizmente eu desconheço. – respondeu Faulkner - Mas desconfio que tenha a ver com aquela cigana infame!


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