Autora: Mari-Youko-Sama
Capítulo 05 – Ervas e Vinagre.
A neve branca cobria tudo até onde a vista alcançava em uma imensidão gélida e vazia. As fileiras de fumaça que saíam das lareiras das casas indicavam que ali ainda havia pessoas.
Com o ar pesado, o casebre onde os Blackwood viviam não tinha mais o aconchego de um lar. Marcos caminhou para o único quarto com porta da casa, onde os doentes ficavam, mas hesitou em bater. Fazia cinco dias que Matheus o proibiu de ter contato com os menores, espalhou vinagre por todo lugar e nem Lirou, nem os ratos ficavam por perto. Marcos tinha o rosto vermelho castigado do frio, a barba estava por fazer e os olhos escuros do cansaço; aparentava ter envelhecido alguns anos.
Subitamente, a porta foi aberta. Matheus, que usava uma máscara em forma de bico de ave, caminhou até a cozinha e foi seguido de perto por Marcos :
– E então? Quando poderei vê-los?
– Acredite... – a voz era abafada enquanto se livrava da máscara, deixando o aroma das ervas que usava no bico se espalhar – Não vai querer ver.
– Nem da porta do cômodo? – questionou com evidente preocupação na voz.
Matheus lavou o rosto e as mãos com vinagre e, após enxugar o rosto, os olhares se cruzaram e fez-se o silêncio, como se dialogassem sem dizer uma palavra. Após isso, Matheus simplesmente sentou-se pesadamente, escondendo o olhar atrás dos fios negros úmidos. Marcos o deixou na cozinha e se encaminhou para o quarto onde os menores estavam.
O ambiente estava fracamente iluminado; o odor da moléstia se misturava com o de vinagre. Ambas as crianças estavam deitadas na cama grande, uma de cada lado. Marcos fitou primeiramente o caçula, Miguel. Um fino tecido cobria seus olhos e testa, o corpo magro delineado pelas cobertas denotava apenas a movimentação do peitoral ao respirar:
– Miguel... sou eu, o Mar- – as palavras amargavam.
– M-mano... – a voz de Marcela era fraca. – Marcos, é você?
– S-sim. – tentou conter a aflição na voz – Matheus me deixou ver vocês.
A menor levantou a mão magra e ferida na direção do som, e Marcos a segurou com delicadeza:
– Mano, posso te pedir uma coisa? – mal conseguia apertar a mão do mais velho.
– Se eu puder, eu farei com certeza. – acariciou com o polegar a mão da menor.
– Diz pro mano Matheus que vai ficar tudo be- – tossiu fortemente. – Plantarei nabos pra ele fazer sopa. – um sorriso fraco se formou enquanto um filete de sangue escorria pelo canto da boca.
– Marc- – pausou a fala, engolindo qualquer lágrima que pensou em derramar – Direi sim. – acariciou o rosto da menor, limpando o sangue.
– Que bom! – Marcela, com a mão livre, segurou a do irmão caçula. – E não deixe Lirou brincar com os vidrinhos... o mano Matheus... fica br- ... – as palavras cessaram.
Não havia mais movimentação das cobertas e a pequena mão da menina deslizou por entre os dedos do maior.
“A única coisa que temos certeza nessa vida é também a única coisa que não temos certeza de como encarar.”
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