sexta-feira, 16 de maio de 2014

“SentiMente” [Semana 08]

Autora: Silvia Verlene

Repentino...
Este foi o modo como fui retirado da prisão de meu algoz, abordado por braços e garras metálicas flutuantes, tocando-me em todos os pontos de meu corpo, injetando-me diretamente algo quente e posteriormente gélido, queimando minhas entranhas e não me dando nem mesmo tempo de sentir as perfurações. Apenas lembro de gritar e me mover freneticamente, numa tentativa vã de me soltar daquelas coisas. Que agonia!

Em meio a isto, apenas consigo vislumbrar um pouco – quase nada, na verdade- do local atual: enormes salões de metal cristalino, com poucas superfícies disformes; ciborgans inacreditavelmente mais carne do que metal, ao menos aparentemente; imagens flutuantes de vários lugares, como se fossem olhos planos do mundo lá fora, seja lá qual for ou aonde estejamos...

Mal me situo e já não sinto mais meu corpo, apenas entendo estar suspenso por finos feixes de luzes ortocromáticas, envolvendo minha pele, iluminando minhas veias e todo o meu planejamento natural. Sinto-me uma cobaia novamente, uma viva que consegue ver o que se passa consigo, conhecendo, literalmente, seu próprio interior.

Não há sensação, apenas sei que enxergo e respiro, o que indica que o ar aqui é propício à minha natureza. Cobaia de novo, apesar de, dessa vez, estar sendo interessante... Só não sei por quanto tempo!

Em meio a essa nova percepção, é muito interessante observar-me por dentro de maneira literal, vendo cada veia, artéria, nervo, músculo, osso, órgão... Chega a ser belo ver quanto de humano eu tenho e isso me deixa bastante orgulhoso, com uma crescente e contínua certeza de que não sou um deles... Aind... Ah! Espanto esse pessimismo para não estragar o momento. Devo aproveitar aquilo que sou, percebendo-me mais e mais, mesmo que nessa situação de cobaia!

Os feixes diminuem sua frequência de movimentos, mantendo-se, alguns, em partes variadas de meu corpo, enquanto outros deslizam para minha cabeça nua de cabelos e desprotegida da gaze epitelial retirada por nosso capturador. Destes, uma minoria se instaura no ponto em que há a entrada para os implantes... Fico apreensivo, porém não sinto nada. Logo em seguida, as demais posicionam-se à frente de meus olhos, como que se também me observassem, encarando-me... Estranho pensar assim, essas coisas são apenas luzes... Ou será que não?

Fico um tanto desconfiado e desvio o olhar para a esquerda no que mal o faço, já as sinto adentrando meus globos oculares, cegando-me. No mesmo instante, meu corpo até então inativo, estremece, mexendo-se involuntariamente, à medida que começo a fazer gestos e movimentos inicialmente abruptos como o de uma marionete, os quais se estabilizam em seguida. Minha visão começa a retornar, enquanto, gradativamente, sinto meu corpo posicionar-se de pé no chão morno. Após muito piscar, vou delineando uma imagem local em meio ao embaçado, algo ainda disforme, mas que ganha estabilidade com alguns segundos. Assusto-me ao ver um ser desnudo, com luzes variadas percorrendo seu corpo de criança e uma voz que fala:

“Bem-vindo, Matriz Zero!”


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