sexta-feira, 23 de maio de 2014

Filho das Profundezas [Semana 09]

Autor: Marco Fischer
Parte IX - Vozes

O Arauto de Kanaloa ergueu sei imenso corpo cefalópode das sombras e fitou o Maleko com olhos cinzentos e membranosos, enquanto as nadadeiras nos lados de sua cabeça ondulavam agitadas e um padrão psicodélico de luzes azuis, roxas e verdes serpenteava freneticamente abaixo de sua pele. Ele era a criatura conhecida pelos nativos como He’e Mo’i, o ‘Rei Polvo’, e sua voz estremeceu a água quando falou.

“Filho das Profundezas. Ofereci-lhe refúgio em meu santuário e agora cobro o preço devido. Um segredo por sua proteção. Me entregue a chave de Y'ha-nthlei e teremos cumprido o nosso acordo.”

O rosto do garoto-peixe se contorcia em uma careta, os pequenos pontos luminosos em seus olhos diminuindo de intensidade. Sua cabeça doía ainda mais agora, e os sussurros continuavam a atormentá-lo, vindos de algum lugar ainda mais profundo e distante do que os domínios do Rei Polvo.

“A Ordem já te localizou. Você também deve estar sentindo a aproximação deles. Os híbridos abissais estarão aqui em breve, e não serão tão piedosos. Apenas cumpra nosso trato entregando o segredo, e comigo ele estará seguro.”

-Você disse que eu teria a proteção da ilha por quanto tempo eu quisesse! Que o tempo necessário pra mim não era nada pra você! Eu quero voltar para lá!

“Você está certo sobre o que eu lhe disse. Mas a imprudência em deixar a ilha foi sua. Agora é tarde demais. O santuário não poderá mais escondê-lo, e meu trabalho está feito. Terei o que quero antes que você seja morto.”

Os enormes tentáculos da entidade se aproximavam do Maleko agora, ao mesmo tempo em que outras formas marinhas deslizavam entre eles. Eram os súditos do Rei Polvo, uma raça de moluscos inteligentes que brandia lanças e escudos feitos com esqueletos de arraias e outras criaturas do oceano. Eles se comunicavam em clarões azulados e expeliam tinta enquanto cercavam o rapaz, formando uma barreira escura e pegajosa para evitar sua fuga.

Os olhos do garoto escureciam cada vez mais agora, os pontos luminosos em sua superfície enfraquecendo até se apagarem completamente. O céu de estrelas noturnas em seus orbes se transformou em um completo breu, e os guerreiros polvo se assustaram ao ouvir vozes nas profundezas que não eram as suas.

Os tentáculos de He’e Mo’i vacilaram enquanto ele paralisava na água, seus olhos assumindo a mesma tonalidade escura que os do Maleko. O corpo do Rei Polvo começou a emitir sinais luminosos que seus súditos entendiam como um alerta de perigo, mas havia algo mais, algo que eles reconheciam, mas não se lembravam de ter visto uma única vez tendo vindo daquela assombrosa criatura.

O Arauto de Kanaloa estava com medo. Sua mente ancestral havia sido tomada de assalto por uma poderosa presença psíquica, um pesadelo adormecido do oceano que respirava entre ruínas cobertas de lodo tão negro quanto os olhos daquele rapaz. Um pesadelo de Y'ha-nthlei, cujas vozes rodopiavam naquela fenda submarina em um redemoinho quase palpável de medo.

O Filho das Profundezas estava despertando.


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