sexta-feira, 16 de maio de 2014

Filho das Profundezas [Semana 08]

Autor: Marco Fischer
Parte VIII - Kanaloa

A onda gigante que atingiu a ilha pegou Violka de surpresa, e foi sentida até mesmo pelos nativos no interior. A capitã teve tempo apenas de proteger o rosto enquanto rolava pela areia, indo de encontro a uma palmeira contra a qual se chocou de costas. Passado o impacto, ela se sentou na areia com dificuldade e se viu coberta por algas e pequenos animais marinhos, que corriam assustados de volta para o mar.

Cuspindo a água salgada que engolira, ela começou a se limpar quando viu a coluna de fumaça da máquina submarina dos Arautos do Vapor subir das águas mais escuras onde estava o abismo das cascatas de areia. Levantou-se então para correr, mas suas costelas reclamaram com uma pontada de dor e ela caiu de joelhos. Foi então que avistou o Hummingbird vindo em seu socorro, flutuando nas ondas como um colibri.

O navio de velas púrpuras tinha uma estrutura pequena e delicada como o beija-flor a quem devia seu nome, mas era também incrivelmente rápido. Chuva de Outono o manobrava com habilidade, tirando o máximo de proveito das correntes de ar e aproveitando a leveza do barco para cruzar a grande onda com um movimento gracioso que o manteve ileso e inabalado.

Enquanto a tripulação de Violka se preparava para desembarcar, o garoto-peixe afundava cada vez mais junto com o aparato agora destruído. Quando finalmente conseguiu se libertar da garra de metal já estava bem abaixo da superfície, mas seu corpo estava perfeitamente adaptado para a pressão. Ele não entendia como conseguia alterar seu metabolismo tão rápido, assim como muitas outras coisas sobre si mesmo.

E não era hora para ficar pensando sobre isso. Estava outra vez em terreno hostil, e já sentia presenças ameaçadoras se aproximando. Vinham primeiro como uma vibração ruim que ele conseguia sentir na água, de forma parecida como um peixe sente a aproximação de um predador. Era algo imenso e antigo, que rastejava na escuridão mais abaixo entre as carcaças esquecidas e seres desconhecidos das fossas abissais.

Depois vinham as vozes. Sussurros telepáticos que tentavam enlouquecê-lo, balbuciando numa língua proibida em qualquer lugar tocado pela luz do sol. Um idioma profano e perturbador do qual ele pouco entendia, mas que com frequência repetia uma única palavra, se é que pudesse ser chamada assim.

“Y'ha-nthlei”

Sentindo o perigo cada vez mais perto, o Maleko disparou a nadar para a superfície, mas as sombras ao seu redor já se contorciam em formas terríveis e sinuosas. Ouvindo um barulho alto, ele olhou para baixo e na luz fosforescente distinguiu uma forma humana sendo arrancada de dentro do aparato submarino e puxada para as profundezas por um tentáculo que cintilava com um fraco brilho azul-elétrico.

O rapaz sabia que não havia tempo de fugir. Aquela não era uma besta irracional que poderia ser distraída pela estranha máquina, que só agora ele percebia ser pilotada por um infeliz humano. Era uma criatura perigosa e temida pelos nativos do arquipélago: um servo de Kanaloa, o Deus Polvo.


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